segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um cadinho di mim


Estive em São Paulo quinta, sexta e sábado. Apesar de muito trabalho, consegui tirar um tempinho pra fazer o que mais me dá prazer quando vou à Sampa: caminhar na Paulista. Pode ser um prazer besta, mas tantos dos nossos pequenos prazeres são assim, bestas mesmo, de raiz. Caminhar respirando a poluição dos carros na avenida mais bonita de São Paulo é um deles. Era noite, já, fazia um frio de 15 graus - que pra minha pele carioca é cortante, acredite - e fui do meu hotel, na Peixoto Gomide até a Livraria Cultura, que eu adoro. No caminho, comprei um cachecol, porque tava frio mesmo! Durante o trajeto, enquanto meus passos se firmavam um à frente do outro, tomava conta de mim aquela sensação gostosa de se sentir estrangeira. Gosto disso, mesmo que seja na cidade vizinha. Senti aroma de café, ouvi os risos de amigos que saiam do trabalho, ouvi sotaques carregados, vi olhos rasgados, puxados, redondos, negros, castanhos, azuis. E comecei a pensar no que procuravam. O que procuram nossos olhos? Os meus cruzavam com alguns na calçada, que desviavam, ou se fixavam, esperando alguma reação minha, e aí eu é que desviava. respirei o ar gelado, continuei em frente, pensando, entendendo que realmente estou procurando alguma coisa. Na livraria, mais quentinha, tirei o cachecol e comecei a namorar os livros, mas como a minha pilha em casa aind tá grande, passei para a sessão de DVDs, CDs. Comprei uns clássicos do cinema: Pandora com Ava Gardner e O Amor em Fuga, do Truffaut. Achei o Vagabundo Ao Vivo, do Ney com a Plap que eu não tava encontrando no Rio. O vendedor, mal me olhou nos olhos, não tinha tempo pra isso. A caixa também. Um ou outro leitor passou por mim e sorriu com os olhos. Sou tímida pra sorrir de volta, mas arrisquei. Quanta gente! Tem horas que o silêncio é enorme, mesmo na confusão. De repente eram muitos livros, muita cor, muita gente, e eu percebi que estava esgotada de um dia inteiro de trabalho exaustivo. Resolvi voltar pro hotel. No caminho de volta, do outro lado da Paulista, o frio, os passos, o cheiro de café, a poluição, os olhares. Então eu percebi o que eu procuro: um par de olhos. Que encontrem os meus e fiquem inquietos, curiosos, e se percebam serenos, amorosos, por se ligarem aos meus. Continuei andando - o hotel não é perto e parece que ficou mais longe ainda - agora eu percebia os outros e de uma maneira quase orgânica, fazendo parte daquele quadro paulistano, eu entendi que isso é o que todos procuramos. Nossa casa num olhar. De repente um cara pegou uma reta na minha direção. Não tirou seus olhos dos meus. Eu encarei. Então ele, baixinho, levemente feminino, carregando um monte de coisas na mão, parou diante de mim e disse, num inconfundível sotaque baiano "hoje começou um manifesto na Paulista..." Eu sorri, minha voz quase não saiu de tão fraca, murmurei "tô exausta do trabalho", desviei. Ele, mantendo bom humor, disse " eu tô falando", eu não consegui dizer mais nada, estava a essa altura me arrastando até o hotel, segui, caminhando de costas, olhando pro baiano, joguei uns três beijos, como que me desculpando por não ouvi-lo, e retomei meu caminho. Não sei se ele queria me vender uma coisa, ou idéia, ou ideologia. Quando dei por mim, eu já estava no meu quarto. Deitei. Fechei os olhos e dormi.